sexta-feira, 30 de novembro de 2012

The 7th Guest

Plataforma analisada: PC DOS CD-ROM
Também disponível para: CD-I, Mac, iOS
Lançamento: 1993
Desenvolvedora: Trilobyte
Distribuidora: Virgin Interactive
Mídia original: 2 CD-ROMs
Gênero: quebra-cabeça


São poucos os jogos que podemos dizer, sem medo de errar, que mudaram o jeito de como a indústria de jogos é vista. Jogos como Space Invaders, Pac Man, Tetris e Street Fighter II tiveram esse papel. Porém um jogo se destaca como divisor de águas na indústria como um todo, mudando o jeito de se ver e pensar jogos. Sem o The 7th Guest, o mercado de jogos seria um lugar diferente nos dias de hoje. O Saturn certamente teria sido diferente e o Playstation, provavelmente, nunca teria existido. Hoje em dia pode parecer exagero e fica fácil, em especial para quem não viveu o momento do lançamento do jogo, não ver o impacto real que ele teve.

Em 1992, o mercado de jogos para videogames era dominado pelos cartuchos, o Sega CD e o PC Engine/TubroGrafx CD-ROM² eram vistos como dispositivos exóticos sem muito sucesso. No PC, os poucos jogos em CD disponíveis não eram mais do que versões pouco melhoradas dos jogos em disquete, com adição de voz ou, simplesmente, o mesmo jogo, porém em CD, para economizar diquetes e o espaço no HD (que na época eram "absurdos" 240MB). Basicamente, discos óticos até aquele momento não tinham vingado no mercado e não havia nada que fizesse mudar essa percepção.

Pelos idos de 92, um jogo começou a causar um borburinho curioso. Produzido pela até então desconhecida Trilobyte, o jogo seria lançado exclusivamente em CD-ROM, seria estrelado pelo Edward Furlong (O John Connor de O Exterminador do Futuro 2, algo que não aconteceu no final) e seria uma história interativa de horror para adultos e interpretada por atores reais. Se parece uma descrição vaga hoje em dia, em 92 era algo sem pé nem cabeça. Mas foi o bastante para aguçar a curiosidade do público, em especial após pré-demonstrações em público numa época em que não existia You Tube e as revistas especializadas levavam meses para chegar às bancas.

Cena não interativa do jogo com atores. Estado da arte em 1993.

Em 1993 o jogo chegou ao mercado e se tornou sensação imediata. Quem tinha e jogava só tinha elogios para a apresentação do jogo, seja pela qualidade dos gráficos e das cenas com os atores (disponíveis em 640x480 para quem tivesse máquina boa o bastante na época), ou pelos quebra-cabeças tidos como geniais que se colocavam entre o jogador e o próximo fragmento do conto de Stauf e do sétimo convidado. Quem não tinha, dava um jeito de comprar um drive de CD para o computador  só para poder jogar o que era, na época, o jogo tido como mais revolucionário nos últimos anos. 

O jogo vendeu mais de 2 milhões de unidades e, certamente, para cada cópia vendida, pelo menos um CD-ROM acabou parando no mercado. Mas se considerar empréstimos entre amigos (pirataria na época nem tinha como), com certeza o jogo foi responsável, sozinho, por alavancar o mercado de CD-ROM para PC e permitir que outros jogos tirassem vantagem do formato (como o Full Throtle e Wing Commander III), mostrando que o CD era o caminho para distribuir jogos no futuro. O que foi confirmado com o lançamento do Playstation e do Saturn (e, claro, pelo fiasco do Nintendo 64, ainda com cartuchos). Depois do The 7th Guest, a distribuição e a produção de jogos não seriam mais as mesmas.

Filmado contra um fundo de papel azul e com uma companhia de teatro independente, a produção
dos vídeos durou duas semanas e custou 24.000 dólares, uma bagatela, mesmo na época.

O jogo se passa na cidade fictícia  de Harley-on-the-Hudson, onde um sem teto chamado Henry Stauf tem uma visão após matar uma mulher, no qual ele vê uma boneca. Guiado pela visão, ele começa a fabricar bonecas e consegue sucesso profissional. Porém, várias meninas que possuem suas bonecas ficam doentes e morrem, quando STauf tem uma segunda visão, que o leva a construir uma mansão estranha e convidar 6 pessoas para visitar a casa, que deveriam descobrir o enigma do sétimo convidado.

O jogo não é muito sutil em referenciar diretamente o conto alemão de Fausto, que faz um pacto com o demônio para conseguir conhecimento ilimitado e prazeres terrenos. Desde o início fica claro que há algo estranho com Stauf e que o jogo tem como objetivo entender o que aconteceu naquela noite e, mais importante, qual o papel do jogador, que tem uma visão em primeira pessoa na eterna repetição dos acontecimentos. Apesar de não ser dos mais originais, o roteiro tem o mérito de ser voltado para um público adulto, com intrigas, assassinatos e situações de terror psicológico razoavelmente elaboradas. Algo que não se fazia, até então, em jogos mainstream

A estória, fragmentada pelos quebra-cabeças e é contada fora de ordem. Cada quebra-cabeça apresenta um pedaço do roteiro, mas não tem como saber qual a ordem "correta" dos fragmentos, então o jogador era instigado a estabelecer relações de causa indireta e que colaboravam para o ar de mistério do jogo.

Quebra-cabeça das aranhas, clássico problema de percorrer todas
arestas de um grafo, sem passar duas vezes pelo mesmo nó.

Quanto ao jogo em si, é difícil olhar para ele e não coçar a cabeça nos dias de hoje. Fora a apresentação caprichadíssima, mesmo para os padrões atuais, o jogo não tem nada de mais. Ele era composto por vários quebra-cabeças cuja solução revelavam um pedaço da trama. Basicamente, o jogo consistia em andar pela casa, achar um quebra-cabeça, resolvê-lo e assistir um vídeo que mostrava o que aconteceu no passado. Para os jogadores com dificuldade, os jogadores podiam apelar para um livro de dicas na biblioteca da casa. 

O quebra-cabeça em que o jogador deve posicionar 8 rainhas no tabuleiro, na versão para iOS.

Tecnicamente falando, o desafio do jogo foi fazer um engine para a reprodução de vídeos a partir do CD sem engasgar num 386 com um drive single speed (150kb/s). Os quebra-cabeças são versões visualmente elaboradas de quebra-cabeças muitas vezes clássicos, outros originais. Mas nada que exigisse um drive de CD-ROM de 300 dólares e um orçamento de produção de 650.000 dólares. Mas foi exatamente isso que vendeu horrores por causa do filme de horror embutido e que fazia os jogadores quererem avançar um pouco mais além para ver o que acontece depois. 

O jogo completo.

Mesmo com a recepção positiva, o jogo enfrentou críticas pesadas no lançamento, em especial com as publicações européias, como a PC Format. Passado o espanto inicial com o jogo, não sobra nenhum espaço para interatividade com o jogo. A única escolha que o jogador poderia fazer era a ordem da solução dos quebra-cabeças (com exceção do primeiro e do último), fora isso, tudo era bastante engessado e não havia motivo algum para se jogar novamente.

Além da versão para CD-I lançada pela Philips para seu videogame interativo pra lá de exótico, saiu uma continuação para PC, a The 11th Hour. Tecnicamente o jogo era ainda mais caprichado que o primeiro, mas não atingiu o mesmo interesse que o original e foi considerado uma falha. As baixas vendas e o fracasso de um jogo compilando vários quebra-cabeças de ambos os jogos levaram a Trilobyte a falência. Recentemente a empresa foi ressucitada para relançar os jogos originais em PC e Mac, além de uma versão iOS de The 7th Guest e The 7th guest: Infection (só para iOS), um quebra-cabeça que ficou de fora do jogo original.

Em parte, The 7th Guest foi mais uma questão mais de sorte do que de juízo. Se fosse lançado um pouco antes, não haveria o drive barato da Mitsumi (300 dólares, uma bagatela na época) para dar o impulso inicial. Um pouco depois, talvez a Mitsumi tivesse falido por não ter atingido um volume razoável de vendas e o jogo fosse algo difícil de conseguir experimentar em casa. Literalmente, o jogo juntou a fome com a vontade de comer, suprindo a demanda por conteúdo em um formato que ninguém entendia bem qual era a dele até o momento.

Fosse lançado hoje em dia, o jogo certamente não venderia nada. Quem compra a versão dele para iOS o faz por curiosidade ou simplesmente para relembrar de um divisor de águas no mercado de jogos. Porque tem jogo muito melhor para se jogar hoje em dia, não importa o quão importante ele tenha sido no seu lançamento.

O que tem de bom:
  • Produção caprichada e ambientação perfeitas para embalar o conto de Stauf e do sétimo convidado.
  • Primeiro jogo a unir eficientemente gráficos feitos no computador com atores reais.
  • Um roteiro instigante, que é amplificado consideravelmente pela não linearidade (algo como o filme Amnésia, quando assistido do jeito certo, ao contrário).
  • Por ter sido feito exclusivamente para CD-ROM, o jogo criou demanda para o formato que predominou durante anos para a distribução de jogos.
O que não ficou lá essas coisas:
  • Apesar de ter quebra-cabeças legais, o jogo é bastante simples e é difícil entender como ele foi tão importante no passado sem conhecer um pouco melhor o período.
  • O jogo não apresenta nenhum valor uma vez acabado, já que os quebra-cabeças são resolvidos sempre da mesma maneira.
Avaliação 18 anos depois: é impossível negar a contribuição que o jogo teve ao mudar o mercado de jogos e colocar o holofote no formato CD-ROM para jogos com quantidades massivas de dados, o que levou ao lançamento de grandes clássicos que são lembrados até hoje. Mas tirando esse legado não tem muito a se falar do The 7th Guest. É mais interessante procurar quebra-cabeças online para jogar em Flash, ou HTML5, e se contentar em assistir o vídeo do jogo ou em conhecer mais da história dele, como nessa entrevista na Game Informer, anos depois, com os desenvolvedores originais. Esse é um jogo que foi o símbolo máximo de uma revolução da qual ele surfou em grande estilo, mas foi por estar no lugar certo, na hora certa.

Como jogar: para quem ainda está curioso, o jeito mais prático é pegar a versão para iOS (iPhone e iPad) na AppStore. Para quem quiser o download legal do jogo, tem em aqui ou aqui. Hoje em dia deve ser difícil achar a versão original em CD, mas para quem tiver a mão o jogo ou encarar um usado no eBay, dá pra jogar na boa usando o DOS-BOX em qualquer plataforma (Linux, Windows ou MacOS X).

2 comentários:

  1. Poxa, PV!!!!
    Saudades de você, que bom que retomou o Blog!
    Concordo que o jogo envelheceu meio mal, mas é divertidinho de rejogar uma vez.
    Ah, uma outra opção para jogar hoje em dia é via GOG ou DotEmu:
    http://www.gog.com/gamecard/the_7th_guest
    http://www.dotemu.com/en/download-game/2788/the-7th-guest

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  2. Valeu Bruno, já atualizei. Foi em parte mancada minha, porque no site oficial da Trilobyte tem esses links e eu acabei ignorando quando fiz o texto. Bom, o blog eu "tiro o mofo" de tempos em tempos, então vira e mexe ele volta ;). No mais, tudo certo?

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