quarta-feira, 16 de junho de 2010

Stunts

Plataforma analisada: PC (DOS)
Também disponível para: Amiga, FM Towns, NEC PC-9801
Lançamento: 1990
Distribuidora: Broderbund (EUA), Mindscape (Europa)
Desenvolvedora: Distinctive Software
Mídia original: 1 disco de 5 1/4"
Gênero: corrida

O ano de 1990 seria marcado na plataforma PC rodando MS-DOS por um jogo de corrida bastante peculiar: Stunts. Peculiar por não ser exatamente um simulador, mas por abraçar uma vertente mais solta, sem se preocupar demais com a perfeição da simulação, mas sim com a diversão. Desenvolvido pela Distinctive Software, o jogo pega carona descaradamente no jogo Test Drive da Atari para fliperamas. Porém, a suposta "cópia" em muito supera o original, oferecendo uma experiência bastante divertida, seja pelos obstáculos oferecidos nas pistas, pelos comentários cínicos dos oponentes ao final das corridas, ou pura e simplesmente pelo editor de pistas descomplicado que acompanha o jogo, algo que só agora com Modnation Racers para PS3 volta a ser disponível de maneira fácil e intuitiva.
O objetivo do jogo é bastante simples: guiar o seu carro, de uma escolha entre 11 possíveis, por uma pista no menor tempo, visando derrotar um dos 6 adversários que o jogador poderia escolher. Parece bastante simples, não fosse o jogo uma simulação de corrida com obstáculos acrobáticos, como rampas, loops, parafusos e outros. Tudo isso turbinado pelo som sintetizado FM de uma Adlib, ou pelo alto-falante do PC mesmo.
Para quem se acostumou a jogos de corrida modernos, com escolha entre centenas de modelos e pinturas, personalização dos componentes dos carros e mutliplayer online, Stunts parece uma tentativa primária de jogo de corrida. Mas, dadas as restrições da época (online só com modem em BBS) e a plataforma (286 com placa CGA rodava o jogo), é impossível imaginar um destino diferente para o jogo na época além do sucesso absoluto entre os fãs de corrida de fliperama. Era bastante comum que os jogadores ficassem comparando o tempo recorde na pista que acompanhava o jogo, só pra ver quem tinha mais habilidade.
Mas o grande destaque era o modo editor do jogo. Era possível criar todo tipo de pista no jogo, imaginando armadilhas para pegar os corredores de surpresa. Claro, tão divertido quanto isso era contornar cada uma dessas armadilhas à velocidade máxima (sim, isso era possível para quase tudo). Frenquentemente se via alguém trocando pistas no Stunts e desafios mútuos do tipo "duvido que você faça em menos tempo". Aliás, colaborou muito o fato de que o jogo cabia em um disquete, bastava 1,2MB (ou 1,4MB para drive de 3 1/2") que se podia levar o jogo de uma lado a outro com muitas pistas personalizadas e os replays das corridas para provar os tempos e façanhas realizadas.
Nos EUA o jogo foi lançado pela Broderbund (a mesma do Prince of Persia clássico), ficando a cargo da Midscape a distribuição na Europa com o nome 4D Sports Driving. Porque raios 4D eu não entendo, mas tudo bem, era o nome da linha de esportes deles.  A Mindscape também levou o jogo para outras plataformas, como o Amiga, com grandes melhoras no áudio, PC-9801 (um PC x86 japonês, diferente do PC tradicional ocidental) e o FM Towns, um computador multimídia japonês baseado no PC. Essa talvez tenha sido a versão mais caprichada em termos de áudio, tanto em música (CD áudio, claro) e som, mas certamente é uma das mais obscuras, já que, com raríssimas exceções, alguém sabe o que é um FM Towns no ocidente.

O jogo até hoje possui um culto muito forte de jogadores. Inclusive existe um remake em desenvolvimento atual, para Linux e Windows, o Ultimate Stunts. Para um projeto que veio na cola de um jogo de fliperama, Stunts conseguiu ir muito além da sua inspiração (ninguém lembra do Test Drive hoje), provendo além de um divertido jogo de corrida, um dos primeiros editores de fase disponíveis no próprio jogo, permitindo a colaboração entre jogadores que não só podiam pegar novas pistas, mas podiam modificá-las e trocá-las com outros jogadores.

O que tem de bom:
  • Controles perfeitos, seja no joystick analógico ou no teclado.
  • Um editor de pistas fácil e intuitivo.
  • Desafio na medida, podendo o criador de uma pista fazer com que os corredores arrancassem os cabelos simplesmente fazendo um traçado interessante.
  • Gráficos com animações rápidas em hardwares bastante simples, mesmo na versão VGA.
O que não ficou lá essas coisas:
  • O som. As limitações do chip FM da Adlib são razoáveis, mas vários jogos na mesma época faziam coisa melhor no mesmo hardware.
  • Falta de um multiplayer local com tela dividida.
  • O character design dos oponentes é medonho. Um pior que o outro.
Avaliação 20 anos depois: muitas ideias do Stunts hoje são clássicas, inclusive existem jogos modernos com o tema corrida acrobática (que atire a primeira pedra quem tem menos de 25 e nunca jogou Burnout). Porém, o original é datado pelas limitações do sistema e a ousadia de uma equipe fazer algo que não se pensava possível na época num hardware tão simples. Vale a pena pela curiosidade para quem nunca viu, ou para matar as saudades para quem jogou quando era novidade. Mas fica nisso, o remake tem um pouco mais de gás, mas o original hoje serve mais como exemplo histórico do que como um jogo legal para os dias de hoje.
    Como jogar: você pode pegar o jogo em algum site de abandonware e usar o DOS Box, um virtualizador que simula o DOS e placas de som da época. Outra alternativa, para quem quiser mais comodidade e algo mais atual em termos de visual e som, é pegar o remake Ultimate Stuntsfree software). Não é lá essas coisas perto de um jogo comercial, claro, mas como a comparação é com o original ele se sai bem melhor no quesito técnico.

    sexta-feira, 4 de junho de 2010

    Turrican II - The Final Fight

    Plataforma analisada: Amiga
    Também disponível para: Atari ST, Commodore 64, ZX Spectrum, PC (DOS), Amstrad CPC
    Lançamento: 1991
    Distribuidora: Rainbow Arts
    Desenvolvedora: Factor 5
    Mídia original: 2 discos de 880kb
    Gênero: ação, plataforma

    No ano 3025, a paz é garantida na galáxia Cobra 2 pela United Planets Freedom Force. A nava Avalon 1 se encontra prestes a ultrapassar os limites da galáxia, quando uma nave de combate se materializa diante da Avalon 1. A equipe do Coronel Ardon C. Striker se vê incapaz de se defender com os sistemas de defesa da nave misteriosamente desativados. O soldado Bren McGuire é atingido é preso por destroços enquanto os últimos companheiros de batalha são aniquilados. O imperador The Machine, parte homem, parte máquina, ordena que seus mutantes abandonem a nave, satisfeito com a destruição. Finalmente livre dos destroços, Bren veste a roupa de combate Turrican e parte parte em busca de vingança.
    Desenvolvido pela Factor 5 e publicado pela Rainbow Arts, Turrican II é considerado por muitos (eu incluso) o melhor jogo já feito para o Amiga em todos os quesitos. Misturando a ação contínua de Contra, com elementos plataforma de Mario e Metroid (inclusive a transformação em bola) e uma fase como jogo de nave inspirada em Darius e Gradius, o jogo acerta em cheio com ação balanceada, curva de aprendizado suave, gráficos detalhados e música fenomenal, mesmo para os padrões atuais. 
    A ação é simples, pular e atira com uma das três armas, spread, laser e bounce.  A arma pode ser usada continuamente, como um chicote laser, mas de acionamento lento e curto alcance. Opcionalmente, podemos transformar o personagem em uma bola invencível, que pode lançar minas no chão, ou então usar uma linha especial (limitada) que destrói os inimigos no caminho, ou então usar o ataque definitivo, que tem o jogador transformado em bola e atirando para todos os lados. Fosse apenas isso, Turrican II seria apenas mais um jogo no estilo Contra, porém, o aspecto plataforma e exploração de Metroid e Mario dão uma profundidade totalmente diferente do tradicional. O jogo conta com inúmeros itens a serem coletados, blocos escondidos, power ups, passagens secretas e outros para tornarem o jogo uma experiência exploratória completa. Vale dizer que alguns chefes eram opcionais, devendo ser encontrados para coletar itens de pontuação que jamais seriam encontrados no caminho normal das fases. O terceiro mundo do jogo anima os fãs de shmups, com chefes claramente inspirados por Gradius, Darius e Air Buster, este último recém lançado quando o Turrican II foi desenvolvido.
    A equipe original da Factor 5 era seriamente influenciada pelo estilo japonês de desenvolver jogos, do visual ao polimento dos controles e dificuldade. A abertura denuncia a influência direta dos animes, em especial do Macross, que "empresta" a aparência visual da nave. O visual e animação dos personagens lembra muito jogos como os Castlevania (o movimento do Turrican é idêntico) e Mario, com inimigos em que podíamos pisar em cima para derrotá-los. A preocupação com o balanceamento da dificuldade e inclusão de elementos diferenciados, como o vento (lembra do Ninja Gaiden 2?), esteiras rolantes e pedaços de cenário destrutíveis (Castlevania e Metroid) indicam o cuidado da equipe numa época em que as produções européias ainda acertavam os ponteiros para o padrão de qualidade ao qual estamos acostumados hoje.
    Os gráficos são acima da média para a plataforma, com animações caprichadas, inclusive interações simples com o cenário, como uma ponte que balança quando o personagem passa sobre ela. Mas o grande destaque de Turrican II é a trilha sonora no Amiga. Composta por Chris Hülsbeck, a música 100% digital é o melhor exemplo do que o formato tracked é capaz de fazer quando bem explorado. Não só a qualidade excepcional da trilha se destaca, mas como o fato de que ela continua atual mesmo hoje e os remixes disponíveis mais parecem interpretações do que remakes das músicas originais. Some isso ao fato de que a Factor 5 foi além dos limites da plataforma e usou mixagem de 7 canais, permitindo música e efeitos sonoros de alta qualidade (sério, no Amiga isso era raro).

    Era difícil ver o Turrican II em ação na época sem sair impressionado com o Amiga. Hoje podemos ver o vídeo e achar "normal", mas para a época do lançamento, Turrican II era o melhor que se podia ter em casa, em um microcomputador. Claro, o melhor era jogá-lo e, os controles, limitados a um botão no Amiga, fluíam naturalmente e a ação se desenrolava sem maiores dificuldades, em segundos estávamos atirando contra inimigos, descobrindo blocos escondidos com power ups, ou então se divertindo pulando sobre inimigos que, uma vez derrotados, saíam correndo pela tela até explodir na primeira parede em que batessem. Enfim, era diversão instantânea, que durava do começo a batalha final com o The Machine, em um mundo alien que remete diretamente ao ninho alienígena do filme Aliens.
    Entre as curiosidades em torno do jogo, a Factor 5 foi formada por ex-funcionários da Rainbow Arts, que mais tarde seriam bastante conhecidos pela série Rogue Squadron nos videogames da Nintendo. A franquia, que iniciou no Commodore 64, seria levada pela Factor 5 ao Megadrive (Mega Turrican) e ao Super Nintendo (Super Turrican 1 e 2). Porém a coisa mais estranha foi o lançamento de uma versão licenciada pela Accolade, que foi modificada na última hora para ter a aparência de um jogo do filme Soldado Universal (é, aquele com o Van Dame mesmo). Simplesmente trocaram o desenho de alguns personagens (o principal incluso), a ordem de algumas fases e eliminaram a fase de jogo de nave, substituída por duas novas fases meia-boca. Essa versão saiu para Megadrive e Gameboy. Uma versão para SNES chegou a vazar em versão xing-ling na época (joguei ela inclusive), mas nunca foi oficialmente lançada.
    Ainda sobre a Factor 5, ela chegou a anunciar uma versão 3D do jogo para plataformas modernas. Mas o fechamento da empresa, após o fracasso do Lair para PS3 e o cancelamento de projetos com a Lucas Arts, acabaram com as esperanças dos fãs da série em ter um novo jogo lançado num futuro próximo.

    O que tem de bom:
    • Gráficos bem detalhados, com animações suaves e cenários gigantes.
    • Música excepcional, misturando, entre outros estilos, música clássica, eletrônica e new age. Muitos jogos de hoje ficam atrás do Turrican II nesse quesito.
    • Controle simples e eficiente, com dificuldade bem balanceada.
    • Usar o vento a favor para subir no cenário enquanto inimigos estilo Megaman caem de pára-quedas. Memorável.
    • Tempo de carregamento rápido para o padrão da época.
    • Mistura legal de ação com plataforma e exploração em cenário enormes.
    O que não ficou lá essas coisas:
    • O roteiro é um verdadeiro PWP (plot? What plot?). É um clichê só que está ali apenas para marcar tabela (nem isso precisava). Se a tal roupa Turrican estava na nave o tempo todo, porque não usaram ela antes?
    • Misturar um jogo de plataforma/ação com um jogo de nave. Eu curti, mas muita gente estranha essa homenagem.
    • Cada fase tem um tempo limite, normalmente muito baixo para se explorar o cenário todo e encontrar todos os itens espalhados. Fatalmente se perde uma vida fazendo isso, o que é ruim, mesmo que se ganhe pelo menos umas 3 no processo.
    • O mundo alien tem locais em que o cenário é mortal, sendo bastante fácil ficar preso sem querer e perder uma vida de bobeira (um dos poucos defeitos graves).
    Avaliação 19 anos depois: poucos jogos são tão representativos para uma plataforma da maneira em que Turrican II representou o Amiga. Explorando ao máximo o hardware de um computador avançado para a sua época, o jogo só é datado pelo aspecto visual e pela sua duração (pouco mais de hora e meia), curta para a expectativa atual de 20 ou mais horas de jogo. Tirando isso, o jogo continua tão divertido de se jogar como no dia em que inseri o primeiro disco no  meu velho Amiga. Imperdível!

    Como jogar: para quem não quer usar emulador, tem alguns remakes disponíveis para download. Para quem quiser ver o original, a própria Factor 5 disponibiliza o backup da imagem ADF dos discos de Amiga de TODA a série Turrican para quem possui os jogos originais, ou for cara de pau mesmo (para quem nunca viu, tem alguns clássicos de graça mesmo). Para rodar os discos, basta usar o Ubiquitous Amiga Emulator, tendo versão para Ubuntu disponível no Synaptic além de, claro, para Windows. O Kickstart (versão 1.3 ou superior), a ROM do sistema, ainda tem direitos autorais, sendo vendida no pacote Amiga Forever, (tem opção barata de 10 dólares, bem menos que um Amiga real no eBay), ou então tem que apelar pra cara de pau e achar no Google mesmo.